Livro relata o encontro do autor, Theo Coster, com cinco sobreviventes do holocausto, entre eles, Nanette Blitz Konig, amiga de Anne Frank, de 83 anos, que refez a vida no Brasil.
Quase 70 anos depois da morte de Anne Frank - a adolescente judia que relatou em um diário os horrores do nazismo - os amigos que estudaram com ela se reúnem para homenageá-la! Encontramos uma das colegas em São Paulo. Uma mulher que conviveu com Anne Frank num campo de concentração
Como lidar com as sequelas de um campo de concentração? “Eu fiquei perto de ficar, realmente, de enlouquecer. conta Nanette Blitz Konig, economista. Da loucura, Nanette se livrou. Das lembranças da guerra, não.
“A mente humana não possui um botão de apagar. Não tem”, afirma Nanette.
Nanette Konig foi colega de aula de Anne Frank, a adolescente judia que se escondeu com a família para fugir dos nazistas na Holanda, ocupada durante a Segunda Guerra Mundial. Ela ficou famosa por causa do diário que escreveu no esconderijo, um anexo secreto da fábrica do pai.
“Quando você lê o livro, você vê que ela amadurece enquanto escreve”, diz Nanette.
“O Diário de Anne Frank”, publicado depois da morte da autora num campo de concentração, tornou-se um dos livros mais traduzidos do mundo.
“O livro registra as emoções de uma menina de 13 anos que quer namorar, que quer viver, que vê um futuro à sua frente e que registra também o seu olhar para além daquelas janelas. Uma vida de violência, uma vida de prisões, de mortes e da qual ela vai ser inclusive uma das protagonistas”, explica Maria Luiza Tucci Carneiro, historiadora da USP.
Mais de 60 anos depois da publicação do diário, a história da adolescente judia é recontada em outro livro. “Os colegas de Anne Frank” relata o encontro do autor, Theo Coster, com outros cinco sobreviventes do holocausto. Todos eles estudaram com Anne no Liceu Judaico de Amsterdã.
O encontro também foi registrado num documentário. Os colegas de Anne Frank se reúnem na Holanda para ler dedicatórias deixadas por ela em diários escolares. E se emocionam ao visitar o compartimento secreto onde Anne se escondeu.
“Ela escreveu para mim em 26 de abril de 1942, e me desejou uma vida longa e feliz. Mas exatamente um ano depois, em abril de 1943, ela era levada para o campo de extermínio de Sobibor”, lembra Hannah Goslar.
Theo Coster mostra a porta secreta do anexo. O filme mostra uma imagem rara de Anne Frank, em 1941. Theo explica ao neto que uma das sobreviventes conviveu com ela num campo de concentração. É Nanette Konig, que hoje mora no Brasil.
Nanette mora na zona oeste de São Paulo, e logo no primeiro contato por telefone, a senhora prontamente aceitou receber o Fantástico, deixando claro que lembrar, talvez, seja a melhor maneira de superar o passado.
Nanette tem 83 anos e vive na mesma casa desde 1959. Rodeada por um belo jardim, ela refez a vida. Se casou com um executivo húngaro, teve três filhos, seis netos e três bisnetos. A curiosidade natural de todos era saber porquê na família não havia outros avós, tios ou primos. Então, ela montou um museu pessoal para responder aos filhos, netos e bisnetos.
Dos tempos da perseguição nazista e do cativeiro, Nanette guarda fotos, documentos e lembranças dolorosas, como a última carta do pai, que assim como a mãe e os irmãos, também morreu num campo de concentração.
Nanette lembra claramente da festa de aniversário de 13 anos de Anne Frank, sua colega no Liceu Judaico. “Eu vi os presentes que ela ganhou, e um dos presentes foi o primeiro diário”, lembra.
Logo Anne Frank iria para o esconderijo da família. Seus colegas permaneceram no Liceu.
Tinham 30, e só sobraram 14 para o segundo ano. Em um ano, metade da classe já tinha sido levada pelos nazistas.
As pessoas foram desaparecendo aos poucos.
“Porque tinha uma meta por semana de tantos judeus que tinham de ser mandados para Westborough e para campos de extermínio”, diz Nanette.
Em fevereiro de 1944, Nanette foi levada para o campo de concentração de Bergen Belsen, na Alemanha, onde encontrou Anne Frank muito debilitada.
Nanette lembra que o encontro foi inesquecível. “Eu primeiro a vi através do arame farpado. Ela estava embrulhada num cobertor, ela não aguentava mais a roupa cheia de piolhos, estava tremendo de frio e era um esqueleto. Eu até hoje não sei como dois esqueletos pudessem se reconhecer”.
Anne contou sobre os planos de escrever um livro usando anotações no diário e em papéis avulsos.
“Nós estávamos sonhando. Não sabíamos nada, estávamos sonhando, com toda a convicção de que as duas iriam sobreviver, o que, infelizmente, não aconteceu”, diz Nanette.
Anne Frank morreu em março de 1945.
“Encontrei com ela várias vezes, até que ela ficou mal e foi para uma barraca. E eu não estava lá, quando ela morreu, não. Aí nunca mais a vi”, conta Nanette.
Quando o exército inglês invadiu o campo de concentração onde estava, Nanette foi encontrada à beira da morte. Ela conta que estava pesando, quando já tinha comido alguma coisa, 32 kg. Nanette só se salvou porque um oficial arranjou vaga num avião para que ela fosse levada à Inglaterra. “Ele fez isso porque realmente era um judeu”, conta.
Nanette nunca mais encontrou o seu salvador. “Quem viu o que ele viu não era possível que ele mantivesse contato, porque deve ter sido traumatizado fora de qualquer imaginação”.
Inimaginável para Nanette é ter vivido o que ela viveu e se calar. “Dizer ‘nunca mais’ não basta. Nós temos que fazer parte desse ‘nunca mais’. Eu falo em nome de todos aqueles que não estão mais aqui para falar. É obrigação minha e dos outros falar, para que eles sejam lembrados”, destaca Nanette.
Fonte: Fantástico (Globo).
Nenhum comentário:
Postar um comentário